Reyesvalenciennes |
[Texto do Dia]→ Para muitos filósofos a comunidade , e não o indivíduo , é o que deveria ser foco de uma análise política e social. Para eles , a identidade pessoal não pode ser pensada de forma independente de nossa relação com outros e das relações que as diferentes sociedades mantêm entre si. Esse é o caso , por exemplo , de Aristóteles , para o qual o Estado tem primazia sobre o indivíduo:
"É claro , portanto , que a cidade tem precedência por natureza sobre o indivíduo. De fato , se cada indivíduo :
É claro , portanto , que a cidade tem precedência por natureza sobre o indivíduo. De fato , se cada indivíduo isoladamente não for autossuficiente , consequentemente em relação à cidade ele é como as outras partes em relação a seu todo , e um homem incapaz de integrar-se numa comunidade , ou que seja autossuficiente a ponto de não ter necessidade de fazê-lo , não é parte de uma cidade , por ser um animal selvagem ou um deus."
-Aristóteles. Política. Brasília: Ed. da UNB , 1985 , p. 15-16.
Essa perspectiva política de primazia da sociedade sobre o indivíduo , que poderíamos chamar de uma concepção comunitária , contrasta com as teorias contratualistas em vários pontos. Em primeiro lugar , ela toma o Estado como anterior ao indivíduo . Aristóteles, por exemplo , lança mão de uma analogia com o corpo humano: não há mãos e pés vivos e desprendidos de um corpo , apenas no corpo é que eles têm sua função ; do mesmo modo , os indivíduos só se reconhecem como seres humano quando integrados em um corpo social. Em segundo lugar , para a concepção comunitarista , o Estado não é uma construção artificial , fruto de uma convenção , mas faz parte da natureza humana: Segundo Aristóteles , há , em todos os homens , o impulso para participar dessa comunidade. Em terceiro lugar - e agora nos afastando de Aristóteles em direção a Hegel - , nossa identidade pessoal não pode ser dissociada do Estado e de sua história, de onde deriva nossa identidade social e cultural. Em uma de suas obras , Hegel critica o princípio básico das teorias contratualistas , de que o Estado teria origem no interesse dos indivíduos em garantir sua sobrevivência ou a posse de suas propriedades:
"Quando se confunde o Estado com a sociedade civil , destinando-o à segurança e proteção da propriedade e da liberdade pessoais , o interesse dos indivíduos enquanto tais é o fim supremo para que se reúnem , do que resulta ser facultativo ser membro de um Estado. Ora , é muito diferente a sua relação com o indivíduo . Se o Estado é o espírito objetivo , então só como membro é que o indivíduo tem objetividade , verdade e moralidade. A associação como tal é o verdadeiro conteúdo e o verdadeiro fim , e o destino dos indivíduos está em participarem numa vida coletiva; quaisquer outras satisfações , atividades e modalidades de comportamento têm o seu ponto de partida e o seu resultado neste ato substancial e universal. [...]
-HEGEL , G.H.F. Princípios da Filosofia do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p. 217.
Hegel via a História humana como realização da ideia de liberdade por meio do Estado. Ele concorda com a afirmação de que o ser humano é livre por natureza , mas não concorda com uma definição de natureza como um estado anterior ao surgimento do ESTADO. Nos diz Hegel:
Essa hipótese não é apresentada como um fato histórico ; seria na verdade difícil qualquer condição desse tipo em qualquer lugar , no presente ou no passado , caso se fizesse a sério uma tentativa. [...] A hipótese do nobre selvagem é uma daquelas imagens nebulosas que a teoria produz , uma ideia que necessariamente deriva desta teoria , à qual ela atribui uma existência real , sem uma justificação histórica suficiente.
-Hegel , Georg Wilhem Friedrich. A Razão na História: uma introdução geral à Filosofia da História . São Paulo , Centauro , 2001. p. 92.
Para Hegel , a liberdade não se limita a uma atitude de não interferência na vida alheia. As pessoas são livres na medida em que elas podem ultrapassar a si mesmas: quanto mais habilidade uma pessoa tem , mais livre ela é. Mas como , segundo Hegel , só como cidadãos de um Estado é que os indivíduos podem desenvolver ao máximo suas potencialidades , só no Estado é que eles podem realmente ser livres.