Leia Mais

✮ A Essência ► [Reyesvalenciennes Nª 169]

Reyesvalenciennes

[Texto do dia]→    Para a matemática aristotélica, que exerceu grande influência no pensamento filosófico ocidental , há algo em cada coisa ou pessoa que não pode mudar sem que essa coisa ou pessoa deixe de ser o que era antes. Trata-se do conceito de essência, uma palavra derivada do verbo ser, que em latim se diz "esse". Toda vez que , diante de um objeto , perguntamos "O que é isso?" , a resposta a  essa pergunta é a da própria coisa. Tomemos como exemplo esse objeto que você tem na mãos agora. O que é isso? Geralmente, pensamos em um livro como um objeto de formato retangular , feito de papel, com capa , páginas numeradas e palavras ou imagens impressas. Mas o formato retangular define, por si só, o que é um livro? Ora, há livros que não possuem formato retangular , assim como há outros objetos retangulares que não são livros, como quadros ou paredes. E o fato de ser feito de papel? Também não define o que é um livro , pois nem todo livro é feito de papel, assim como nem tudo o que é feito de papel é um livro. E o fato de ter capa? Também não, pois cadernos também tem capa, e cadernos não são livros. Ademais, se arrancarmos a capa de um livro , nem por isso ele deixa de ser livro . Será simplesmente um livro sem capa! De modo análogo , palavras e imagens impressas não definem, por si sós, o que é um livro, pois jornais e revistas também tem palavras e imagens impressas e nem por isso são livros. A essência de um livro, portanto, seria aquilo que faz com que esse livro seja livro, mas não se confunde com qualquer de seus atributos acidentais. Em outras palavras , o formato e o material de que é feito, entre outras características , podem mudar sem que o livro deixe de ser livro. A essência pode ser então entendida como aquilo que é invariável na multiplicidade daquilo que é dado na experiencia imediata. A partir desse conceito , poderíamos também justificar nosso conhecimento da realidade. Nesse sentido, conhecer algo de verdade seria o mesmo que conhecer sua essência. O erro , por outro lado, seria tomar como realidade aquilo que não passa de aparência. Em um museu de cera, por exemplo, vemos estatuas de cera que imitam as feições e o vestuário de pessoas famosas. As estátuas imitam, portanto, sua aparência mas não são elas próprias as pessoas representadas , não possuem sua essência. Incorretos em erro alguém que, vendo uma estátua com a "aparência" de Alberto Santos Dumont, por exemplo, julga se tratar do mesmo. As vezes usamos a palavra "essência" em situações corriqueiras. Se vou construir uma casa , por exemplo, mas tenho orçamento limitado , preciso saber distinguir o que é mais importante e o que pode ser descartado. Em ocasiões como essa , dizemos que é preciso discernir o que é essencial. É claro que o conceito filosófico de essência é bem mais complexo do que esse exemplo nos dá a entender. Mesmo assim , ele aponta para o fato de que a essência de uma coisa é o que ele tem de mais fundamental em si mesma. Além disso, nossa cultura é fortemente marcada por uma herança iluminista. O iluminismo , como vimos anteriormente , postulava a existência de uma natureza humana invariável , fundamento de um direito natural. Essa noção de natureza corresponderia de certo modo à essência . Em uma perspectiva iluminista , poderiamos falar de direitos humanos, por exemplo, porque, apesar das diferenças individuais , partilharíamos uma mesma essência , uma humanidade que seria comum a todos. Para o pensamento iluminista , o reconhecimento de essência humana é o que permitiria identificar situações de desumanização , como tortura, trabalho escravo, exploração sexual, entre outras. Da mesma forma que a noção de essência varia em função do contexto social e histórico , dentro da própria filosofia essa noção tem diferentes abordagens . Assim, nem todos os filósofos acreditam que as coisas em si mesmas possuam essências universais ou que, caso estas existam, possam ser conhecidas . Para um grande número de pensadores , a inteligência humana não alcança as coisas em si mesmas, em sua essência , mas sim o modo como as representamos para nós mesmos e para os outros. Immanuel Kant , por exemplo, afirmava que os objetos de conhecimento são em parte construídos pelo intelecto humano e que as coisas em si mesmas estão para além de nossa capacidade cognitiva. Nesse caso, a metafísica é questionada quando se problematiza o conhecimento humano. Já para outros filósofos, não se trata de questionar a capacidade do ser humano de conhecer o mundo, mas sim de negar a realidade das essências. Para estes , tudo que existe são aparências, não haveria uma realidade mais fundamental para além delas. Esse é um posicionamento em geral associado a Friedrich Nietzsche.

Leia Mais

Mais Assuntos

Mostrar mais