Leia Mais

☆ Os Sertões ➣ Reyesvalenciennes [Nª 44]

Reyesvalenciennes.jpg<alt>

Os Sertões

[TEXTO DO DIA]→  A Serra do Mar tem um notável perfil em nossa história. A prumo sobre o Atlântico desdobra-se como a cortina de baluarte desmedido. De encontro às suas escarpas embatia, fragílima , a ânsia guerreira dos Cavendish e dos Fenton. No alto , volvendo o olhar em cheio para os chapadões , o forasteiro sentia-se em segurança. Estava sobre ameias intransponíveis que o punham do mesmo passo a cavaleiro do invasor e da metrópole. Transporta a montanha - arqueada como a precinta de pedra de um continente - era um isolador étnico e um isolador étnico e um isolador histórico. Anulava o apego irreprimível ao litoral, que se exercia ao norte ; reduzia-o a estreita faixa de mangues e restingas , ante a qual se amorteciam todas as cobiças , e  alteava , sobranceira às frotas , intangível no recesso das matas , a atração misteriosa das minas...

Ainda mais - o seu relevo especial torna-a um condensador de primeira ordem , precipitar a evaporação oceânica. Os rios que se derivam pelas suas vertentes nascem de algum modo no mar. Rolam as águas num sentido oposto à costa. Entranham-se no interior , correndo em cheio para os sertões . Dão ao forasteiro a sugestão irresistível das estradas. A terra atrai o homem ; chama-o para o seio fecundo ; encanta-o pelo aspecto formosíssimo; arrebata-o , afinal, irresistivelmente na correnteza dos rios. Daí o traçado eloquentíssimo do Tietê , diretriz preponderante nesse domínio do solo. Enquanto no S. Francisco , no Paranaíba , no Amazonas , e em todos os cursos d'água da borda oriental , o acesso para o interior seguia ao arrepio das correntes , ou embatia nas cachoeiras que tombam dos socalcos dos planaltos , ele levava os sertanistas , sem uma remada , para o rio Grande e daí ao Paraná e ao Paranaíba. Era penetração em Minas , em Goiás, em Santa Catarina , no Rio Grande do Sul,  no Mato Grosso , no Brasil inteiro. Segundo estas linhas de menor resistência , que definem os lineamentos mais claros da expansão colonial , não se opunham , como ao norte , renteando o passo às bandeiras , a esterilidade da terra , a barreira intangível dos descampados brutos. Assim é fácil mostrar como esta distinção de ordem  física esclarece as anomalias e contrastes entre os sucessos nos dous pontos do país , sobretudo no período agudo da crise colonial , no século XVII.  Enquanto o domínio holandês, centralizando-se em Pernambuco, reagia por toda a costa oriental , da Bahia ao Maranhão , e se travavam recontros memoráveis em que , solidárias , enterreiravam o inimigo comum as nossas três raças formadoras , o sulista, absolutamente alheio àquele agitação, revelava , na rebeldia aos decretos da metrópole, completo divórcio com aqueles lutadores . Era quase um inimigo tão perigoso quanto o batavo. Um povo estranho de mestiços levantadiços , expandindo outras tendências , norteando por outros destinos , pisando , resoluto , em demanda de outros rumos , bulas e alvarás entibiadores. Volvia-se em luta aberta com a corte portuguesa , numa numa reação tenaz contra os jesuítas . Estes , olvidando o holandês e dirigindo-se , com Raiz de Montoya a Madri e Diaz Teño a Roma , apontavam-no como inimigo mais sério. De feito , enquanto em Pernambuco as tropas de van Schkoppe preparavam o governo de Nassau , em São Paulo se arquitetava o drama sombrio de Guaíra. E quando a restauração em Portugal veio alentar em toda a linha a repulsa ao invasor , congregando de novo os combatentes exaustos , os sulistas frisaram ainda mais esta separação de destinos , aproveitando-se do mesmo fato para estadearem a autonomia franca , no reinado de um minuto de Amador Bueno.

-Euclides da Cunha. Os Sertões. 2. Ed. Edição crítica de Walnice Nogueira Galvão. São Paulo : Ática , 2001. P. 81-2.

Leia Mais

Mais Assuntos

Mostrar mais