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☆ Cordões [João do Rio] ➣ Reyesvalenciennes [Nª 45]

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[TEXTO DO DIA]→ 

Oh! abre ala!
Que eu quero passá
Estrela d'Alva
Do Carnavá !

Era em plena rua do Ouvidor. Não se podia andar. A multidão apertava-se , sufocada. Havia sujeitos congestos , forçando a passagem com os cotovelos , mulheres afogueadas, crianças a gritar , tipos que berravam pilhérias. A pletora da alegria punha desvarios em todas as faces. Era provável que do largo de  São Francisco à rua Direita dançassem vinte cordões e quarenta grupos , refusem duzentos tambores , zabumbassem cem bombos , gritassem cinquenta mil pessoas. A rua convulsionava-se como se fossem fender , rebentar de luxúria e do barulho. A atmosfera pesava como chumbo. No alto , arcos de gás besuntavam de uma luz de açafrão as fachadas dos prédios. Nos estabelecimentos comerciais , nas redações dos jornais , as lâmpadas elétricas despejavam sobre multidão uma luz ácida e galvânica , que enlividecia e parecia convulsionar os movimentos da turba , sob o planejamento multicolor das bandeiras que adejavam sob o esfarelar constante dos confetti , que , como um irisamento do ar , caíam , voavam, rodopiavam . [...] Serpentinas riscavam o ar ; homens passavam empapados d'água , cheios de confetti ; mulheres de chapéu de papel curvavam as nucas à etila dos lança-perfumes , frases rugiam cabeludas , entre gargalhadas , risos , berros , uivos , guinchos . Um cheiro estranho, misto de perfume barato , fartum , poeira , álcool, aquecia ainda mais baixo instinto de promiscuidade. A rua personalizava-se , tornava-se uma e parecia , toda ela policromada de serpentinas e confetti , arlequinar o pincho da loucura e do deboche .   Nós íamos indo, eu e o meu amigo , nesse pandemônio. Atrás de nós , sem colarinho , de pijama , bufando , um grupo de rapazes acadêmicos , futuros diplomatas e futuras glórias nacionais , berrava furioso a cantiga do dia , essas cantigas que só aparecem no Carnaval :

Há duas coisa
Que me faz chorá
É nó nas tripa
E bataião navá!
[...]

- João do Rio. A alma encantadora das ruas. São Paulo : Companhia das Letras , 1997.

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