Pressionado à direita pelos setores conservadores e à esquerda pelo
movimento operário , Vargas procurava impor-se como árbitro dos
conflitos sociais e conciliar forças opostas e contraditórias , como
já havia feito por ocasião do Estado Novo. No entanto, com a
democracia instaurada e sem a censura , a situação era mais complexa.
Quando reprimia a ação de grevistas , Vargas perdia apoios no interior
do movimento operário e fornecia argumentos aos comunistas, que o
acusavam de ser um representante da burguesia e um instrumento do
imperialismo norte-americano. Quando tentava atender parcialmente às
reivindicações dos trabalhadores , provocava a ira dos udenistas e dos
setores mais conservadores das Forças Armadas. A delicada situação
exigia medidas drásticas. Vargas , que havia recorrido às massas
urbanas para se eleger , alterou , então, o perfil político de seu
ministério. Nomeou, para a pasta do trabalho, João Goulart , jovem
político do PTB e fazendeiro do Rio Grande do Sul, que logo se
destacou como habilidoso negociador com a classe operária. Para a
oposição , no entanto, Jango , como era conhecido , encarnava o
radicalismo subversivo. Permitindo a ação sindical dos comunistas e
dialogando com o movimento operário, Jango firmou-se como um líder
muito próximo da classe trabalhadora. Seus adversários acusavam-no de
querer organizar uma república sindicalista no país, atraindo o
proletariado com medidas demagógicas. No início de 1954 , Jango foi
encarregado de estabelecer um reajuste para o salário mínimo. Em meio
a greves operárias e manifestos de militares descontentes com os
soldos, o ministro anunciou um aumento de 100% , justificando : "Não
são os salários que elevam o custo de vida ; pelo contrário, a alta do
custo de vida é que exige salários mais altos " . Foi destituído no
mesmo dia. Apesar dos protestos da oposição, Vargas manteve o aumento
do salário mínimo, anunciando-o à classe trabalhadora em 1¤ de maio de
1954: "Como cidadãos a vossa vontade pesará nas urnas. Como classe ,
podeis imprimir ao vosso sufrágio a força decisória do número.
Constituí a maioria. Hoje estatais com o governo. Amanhã sereis o
governo". Parecia que a classe operária subia as escadarias do Catete
nos braças do presidente. Era o inverso , Vargas estava descendo. A
essa altura a oposição a Getúlio era feroz. E ampla. Comunista,
militares anticomunistas, UDN , industriais, banqueiros , a maior
parte da imprensa e , evidentemente , o governo norte-americano. A
direita , liderada por Carlos Lacerda, propunha a destituição de
Vargas , a reforma das instituições políticas e o combate ao
populismo. Denunciava , seguidamente , casos de favorecimento ,
empreguismo e corrupção. Segundo o líder udenista , o governo no
estava naufragando num verdadeiro "mar de lama". O elevado tom das
críticas udenistas precipitou a tempestade. Na madrugada de 5 de
agosto de 1954, Carlos Lacerda sofreu um atentado na rua Tonelero, no
Rio de Janeiro. Mas o tiro atingiu e matou Rubens Vaz, major da
Aeronáutica que o acompanhava. A oposição tinha agora uma vítima , um
crime , a revolta militar e toda a atenção do país voltada para os
bombásticos pronunciamentos de Carlos Lacerda. Faltava descobrir o
criminoso. Por iniciativa da Aeronáutica, foi montado o esquema de
investigação na base aérea do Galeão, no Rio de Janeiro. A República
do Galeão, como ficou conhecida a base durante o episódio, tornou-se o
poder paralelo do país durante alguns dias. Preso o pistoleiro, logo
se chegou ao mandante do crime : Gregório Fortunado, fiel servidor de
Vargas , chefe da guarda presidencial, conhecido como o Anjo Negro.
Diante da gravidade da situação , 27 generais assinaram um manifesto à
nação , exigindo a renúncia do presidente. Nas ruas a indignação
tomava conta do semblante da população. Na imprensa os ataques contra
Getúlio eram incessantes. Nunca antes o mar das pressões populistas
havia sido tão revolto. Mar tormentoso. No momento de menor
prestígio popular , no momento íntimo de sua trajetória política,
desacreditado pela imensa maioria da nação brasileira , acuado pela
ação da oposição e abandonado por inúmeros de seus companheiros e
seguidores, Vargas conseguiu reverter a situação. Com um tiro no
próprio peito, o presidente deixava o governo, mas se mantinha vivo no
poder. Anunciada sua morte , multidões de trabalhadores em fúria
tomaram as ruas das principais cidades brasileiras. As sedes dos
jornais , das emissoras e dos partidos oposicionistas foram
depredadas. Queimaram-se bandeiras norte-americanas. Exemplares do
jornal "Última Hora" , francamente getulista , circulavam de mão em
mão. Pelo rádio , repetia-se incessantemente o texto de
carta-testamento encontrada ao lado do corpo do presidente. A
dramaticidade do suicídio e a derradeira cena do grande espetáculo do
líder populista resumiam-se claramente no seu último parágrafo:
"Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do
povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio , as infâmias , a calúnia
não abateram meu ânimo . Eu vos deu a minha vida. Agora vos ofereço a
minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho
da eternidade e saio da vida para entrar na História".